Medida tem por objetivo reaquecer a economia e divide opiniões
A serra gaúcha prepara o terreno para tentar ressuscitar o turismo durante a crise causada pela pandemia do coronavírus. Com lojas e restaurantes já autorizados a abrir com cuidados, prefeitos passam a avalizar o funcionamento dos hotéis. Na Região das Hortênsias, decreto do prefeito de Nova Petrópolis, Lelo Hahn, possibilitou a retomada da atividade hoteleira para turistas desde o feriado de sexta-feira (1º), restrita à metade dos leitos de cada empreendimento.
Foram ocupadas 30% das vagas disponibilizadas no último final de semana. Canela, Gramado e São Francisco de Paula têm perspectiva de liberar parcialmente a atividade a partir desta sexta (8). Bento Gonçalves e Garibaldi permitiram a reabertura ainda em abril.
Em Nova Petrópolis, a prefeitura relacionou 19 obrigações dos empresários para voltar a receber hóspedes. Entre as medidas, estão aferir a temperatura do cliente ao chegar, manter panos úmidos com hipoclorito de sódio em toda as entradas para a limpeza dos calçados, manter fechadas as academias, salas de jogos, piscinas e saunas e cobrar o uso de máscara em áreas comuns. O mesmo decreto autorizou a abertura do Parque Aldeia do Imigrante e a ampliação do número de participantes em atividades religiosas, eventos e reuniões para até 30 pessoas.
Diretor do Departamento de Turismo da Associação Comercial e Industrial da cidade, Marcelo Becker destaca que a decisão sobre os hotéis segue as determinações do novo decreto do governador Eduardo Leite e recomendações da Organização Mundial da Saúde.
— Acredito que chegamos em um termo muito bom para a saúde pública e para a economia, pois o turismo é vital para a cidade — afirma Becker.
No entanto, a tentativa de reaquecer um setor da economia que depende do trânsito de pessoas de diversas regiões divide moradores, especialistas, autoridades e empresários de Nova Petrópolis. Para a vereadora Katia Zummach (PSDB), há um temor de que a reabertura gere casos de coronavírus na cidade — ainda não há nenhum confirmado no município de cerca de 21 mil habitantes.
— Essa decisão pode trazer uma retomada econômica. Mas, se trouxer junto o vírus, não adianta. A gente não sabe se esse turista teve contato com o vírus, ele pode até ser assintomático espalhando a doença — diz Katia.
Blitz e movimento no final de semana
A vereadora afirma que, no final de semana, viu nas ruas a presença de carros de Porto Alegre, de Canoas e Lajeado, entre outras cidades onde há disseminação da covid-19. Para Katia, Nova Petrópolis deveria ter condições de realizar mais testes da doença para retomar as atividades turísticas. E a população com mais de 60 anos da cidade deveria ser levada em consideração:
— Nova Petrópolis tem muitos idosos. Daí o trabalhador fora do grupo de risco vai trabalhar e, no final do dia, volta para sua casa, onde pode ter um idoso morando também.
Questionada sobre o receio de trazer casos para a cidade, a secretária Municipal de Turismo, Indústria e Comércio da cidade, Roberta Liane da Silva, afirma:
— A gente faz todo o possível, resguarda bem os restaurantes e hotéis na questão de higiene e controles internos, para que continue com esses resultados. Mas a gente sabe que, quando começa a abrir, pode vir, né?
Sobre ações para evitar aglomerações, ela diz que são feitas abordagens educativas. No final de semana, foi feita uma “blitz” de conscientização, para ressaltar a obrigatoriedade do uso de máscara na cidade.
— Atendemos quase três mil carros em três dias. As pessoas demonstraram uma questão de “preciso sair de casa, preciso dar uma volta, porque estamos cansados de ficar em casa”.
Para o epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, a retomada da indústria do turismo tem de ser olhada com ainda mais cautela do que as outras. Isso porque a atividade turística reproduz a mesma mobilidade populacional que se encarregou de estabelecer focos de infecção do coronavírus.
— Acho que a gente tem poucas informações para apostar que a retomada do turismo pode ser tão segura. A natureza do turismo é a movimentação de pessoas dentro de regiões, não só do Estado, mas também de fora.
De acordo com a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do RS, o setor de hotelaria nunca esteve impedido de atuar, desde que adote as medidas de precaução que as autoridades sanitárias recomendam. Nos municípios de região serrana, conforme decreto em vigor, os prefeitos têm autonomia para definir quais os setores econômicos podem retomar suas atividades.
Mesmo com o retorno da rede dos principais destinos turísticos da região, as expectativas para os próximos meses são baixas.
— A insegurança ainda é grande, as pessoas não querem sair muito. A questão financeira também vai pesar, pois tem gente insegura com sua situação financeira. Até o Natal Luz a ocupação é baixa, mas as empresas vão se adaptar à nova realidade — avalia o presidente do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques, Museus e Similares da Região das Hortênsias (SindTur), Mauro Salles.
Entretanto, de acordo com o prefeito de Gramado, João Alfredo Bertolucci, o Fedoca, o retorno nos próximos dias deve permitir que os empresários tenham tempo para se adaptar à nova realidade e projetem o planejamento para o segundo semestre.
— O que não queríamos era abrir em um momento de total escuridão, como há 20 dias, quando alguns municípios arriscaram e se deram mal. Foi prematuro e fez com que ficasse bem ruim o controle sobre as atividades permitidas. As medidas não estavam bem definidas, e o próprio hóspede estava assustado. Muitas atividades voltaram, mas faltou público — avalia.
O impacto tem reflexos nas baixas do setor. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Hoteleiro e Similares de Gramado, somente no mês de abril foram demitidas 792 pessoas, e mais de 1,2 mil contratos foram suspensos. Os números abrangem desligamentos entre hotéis, pousadas, restaurantes e lancherias do município.