Vinicultor catarinense de garagem produz vinho em talha de barro indígena

vinho em talha de barro indígena

Fotos: Quinta da Figueira divulgação

O vinho está sendo produzido numa vinícola de garagem em Florianópolis com uvas de São Joaquim, na serra catarinense.

O cientista da computação, Rogério Gomes, não entendia nada de vinhos. Em 2005, ele comprou uma garrafa de um Cabernet Sauvignon para experimentar. Odiou. Decidiu, então, impor-se um desafio: estudar e conhecer a bebida. Acabou tomando gosto por ela. Três anos mais tarde, comprou 120 quilos de uvas Merlot e Cabernet Sauvignon e elaborou um vinho em seu apartamento, no centro de Florianópolis. Amassou as uvas em baldes plásticos, com os pés. Batizou o tinto de Pitanga, por causa do aroma que lembrava a fruta. A partir daí, não parou mais. Ao longo dos anos seguintes, Rogério produziu vinhos em escala comercial na garagem da casa de seus pais, no bairro continental do Abraão. Ali, fundou a vinícola Quinta da Figueira e se tornou um inquieto vinicultor de garagem. Elaborou 13 safras de vinhos, desenvolveu processos particulares de vinificação e ganhou mais de 15 prêmios importantes com seus rótulos, no Brasil e no exterior. Este ano, impôs-se um novo desafio: produzir um vinho numa talha indígena de barro cozido.

“Eu vinha namorando as talhas há mais ou menos dez anos”, conta Rogério. Em 2014, ele tentou produzir um dolium, uma antiga talha romana. Mas não encontrou, em Santa Catarina, uma olaria que tivesse um forno com tamanho capaz de cozinhar o utensílio de barro. Mas não desistiu. Em 2019, Gomes encontrou uma olaria, no Vale do Rio Tijucas, com estrutura para produzir talhas com capacidade para 250 litros. O problema estava resolvido. Mas veio uma questão.

“Minha genética indígena sussurrou nos meus ouvidos: em vez de copiar os antigos qvrevis georgianos, karas armênios, tinajas hispânicas ou talhas portuguesas, por que não buscar na cultura dos antigos povos do sul do Brasil algo inovador?”, perguntou-se Rogério. Ele decidiu então optar por um pote ou talha de barro indígena utilizada para fermentar cauim. O nome do pote é cambuchi. Ninguém ainda tinha utilizado esses recipientes para fermentar uvas, segundo ele. Encomendou duas.

O cauim é uma bebida produzida pelas mulheres indígenas. Elas mastigam a mandioca ou o milho e cospem no cambuchi. A amilase ou ptialina da saliva provoca uma fermentação dentro da vasilha e gera a bebida alcoólica. Rogério pensou até em produzir uma espécie de cauim de uvas. “Mas descobri que a amilase não teria muito efeito nas uvas, por causa do baixo PH do mosto”, afirmou. Mas, como sempre, ainda não desistiu.

O vinho

O vinicultor partiu para uma vinificação diferente das tradicionalmente feitas em talhas. Dentro do cambuchi, que não recebeu nenhum tratamento impermeabilizante, colocou cachos inteiros de uvas Sauvignon Blanc. O processo começou com uma fermentação dentro dos bagos das uvas. Em vez de gás carbônico para retirar o oxigênio do cambuchi e, assim, criar a atmosfera necessária para a fermentação intracelular, Gomes utilizou dióxido de enxofre, provocando uma maceração sulfúrica, algo inédito, segundo ele. Terminada essa primeira parte da fermentação alcoólica, os frutos passaram por um mixer, para romper as peles, misturar tudo, e a fermentação seguir com as leveduras selvagens, de modo espontâneo. Esse mosto deverá ficar no cambuchi entre três e seis meses, com cascas e engaços. Como resultado, sairão cerca de 200 garrafas de um vinho ao estilo laranja. Um projeto em parceria com a vinícola Suzin, de São Joaquim, onde as uvas Sauvignon Blanc são cultivadas.

Os vinhos de talha

A região do Alentejo, no sul de Portugal, produz vinhos em talhas. É uma tradição. Na Geórgia, Armênia (berço do processo) e no norte da Itália também são produzidos vinhos em talhas, fermentados com peles, chamados recentemente de vinhos laranja, pela cor que adquirem. As uvas para produzir os vinhos são brancas. Mas o processo de produção é o mesmo dos tintos. As uvas são fermentadas com as cascas. O resultado são vinhos estruturados, com aromas e estrutura de boca diferentes dos brancos tradicionais. Além da presença de taninos, típicos dos tintos.

A Quinta da Figueira já produz dois vinhos os laranja. Divido as notas de prova de um deles. E encerro dizendo que, para quem não entendia nada de vinhos há 15 anos, Rogério Gomes ainda vai longe.

Grande Guarapuvu Sauvignon Blanc 2015 – Serra Catarinense/Florianópolis – SC

Vinho elaborado 100% com uvas Sauvignon Blanc. Oito dias de fermentação com as cascas das uvas. Estágio de 24 meses em barricas de carvalho. Cor cobreada, âmbar. Aromas de laranja em calda, geleia de abacaxi, notas de especiarias, gengibre, toques da madeira. Paladar intenso, acidez agradável, macio, longo, sutil tanicidade. www.quintadafigueira.com.br.

Fonte: nd+

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