Grandes aeroportos desertos nas maiores cidades do mundo. Pontos turísticos que costumam atrair multidões, como o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, as Cataratas do Iguaçu, no Paraná, ou a Torre Eiffel, em Paris, sem um único visitante. Praias vazias em dias quentes e ensolarados. Feriados prolongados sem congestionamento nas rodovias Brasil afora.
Até alguns meses atrás, cenas como essas eram inimagináveis. Mas em pouco tempo, com o alastramento da pandemia do coronavírus, elas se tornaram uma realidade dura para um setor que, somente no Brasil, é responsável por 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB): o turismo.
Com a necessidade de adotar o distanciamento social e evitar aglomerações, a atividade turística foi diretamente afetada. Pontos turísticos foram fechados, voos suspensos, eventos cancelados, fronteiras interditadas, hotéis, pousadas, bares e restaurantes obrigados a fechar as portas. Em todo o Brasil, de acordo com a Confederação Nacional de Comércio, Serviços, Bens e Turismo (CNC), o setor já acumula perdas de R$ 87,7 bilhões em apenas três meses, desde que teve início a pandemia.
Mesmo com os números da Covid-19 ainda em crescimento por todo o Brasil, muitas regiões já estão retomando as atividades econômicas, o que inclui também o turismo.
Alguns pontos turísticos, como o Parque Nacional do Iguaçu, que no ano passado recebeu mais de 2 milhões de visitantes, e o Beto Carrero World, em Santa Catarina, foram reabertos. O Parque Nacional do Iguaçu, entretanto, teve de fechar novamente após o governo do Paraná adotar medidas mais restritivas de quarentena.
No Nordeste, o governo federal decidiu reabrir, a partir de 1º de julho, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. A portaria que estabeleceu a reabertura prevê, ainda, um conjunto de medidas sanitárias para que a visitação seja feita de forma segura, “gradual e monitorada”.
Fora do país, há casos como o do Coliseu de Roma, que já voltou a receber visitantes, e a Disney World, que prepara a reabertura gradual a partir de julho.
Em todos esses casos, uma nova realidade: público limitado e uma série de medidas preventivas, como higienização, obrigatoriedade de máscaras e distanciamento. São indicativos de que a retomada do turismo por todo o mundo deverá ser lenta, gradual e marcada por restrições.
Retomada do turismo deve ser com viagens curtas
Sob a expectativa de que a pandemia seja controlada o quanto antes, profissionais e entidades do setor são unânimes ao afirmar que o movimento inicial para a retomada será puxado pelo turismo regional. Em seu Guia para o Turismo em Tempos de Pandemia, o Sebrae indica que, em um cenário otimista, isso possa acontecer a partir do segundo semestre.
“Os primeiros a saírem de suas casas sairão com seus carros próprios, para viagens curtas. Isso porque as companhias aéreas e outras empresas de transporte ainda serão evitadas. Essas pessoas vão querer total autonomia para ir e vir quando quiserem e estarão muito bem dispostas a isso depois de longos meses dentro de casa”, diz o órgão.
A tendência é compartilhada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que elaborou em abril o estudo Impacto Econômico do Covid-19 – Propostas para o Turismo Brasileiro.
“A reação do setor tende a ser lenta, e será motivada, em um primeiro momento, pelo retorno do consumo, especialmente por viagens essenciais, saúde e visita a parentes após o surto da doença. Em um segundo momento, o impulso será de retomada das viagens domésticas de lazer e trabalho. O terceiro momento trará de volta eventos corporativos e culturais e, mais para o final do período de estabilização, o início da retomada do turismo internacional”, diz o texto.
A expectativa é de que a circulação nacional de turistas comece a voltar aos patamares anteriores somente a partir do início de 2021. O turismo internacional é o que levará mais tempo para se normalizar, somente no segundo semestre do ano que vem. Dados da Organização Mundial de Turismo (OMT) apontam que, entre janeiro e abril, houve queda de 44% no fluxo de turistas internacionais em todo o planeta, ocasionando prejuízos da ordem de US$ 195 bilhões.
Em Foz do Iguaçu, reabertura com limitação de público e cuidados sanitários
Principal destino turístico do Paraná e um dos mais importantes do Brasil, Foz do Iguaçu já havia iniciado o processo de retomada das atividades – mas teve que frear a retomada após a nova determinação do governo paranaense.
Antes do decreto do Executivo, após Foz reabrir hotéis e pousadas em maio, em junho foi a vez do Parque Nacional do Iguaçu, onde estão as cataratas, liberar a visitação, com limitação de público e cuidados sanitários. O Parque das Aves também chegou a ser reaberto, mas em 22 de junho voltou a fechar por causa da pandemia. O cronograma inicial estabelecido pelo município previa para julho a reabertura de resorts e autorização para pequenos eventos. A adesão da prefeitura de Foz às determinações do governo estadual, entretanto, deve mudar os planos.
Cristiane Santos, diretora-executiva do Visit Iguassu (instituto de promoção turística da região), reforça que a perspectiva é de uma retomada lenta na atividade turística. “Os hotéis ainda estão com uma ocupação bem baixa e os atrativos também vêm recebendo poucos visitantes”, afirma.
Ela confirma que o perfil dos turistas que têm visitado a cidade por enquanto é mais regional, principalmente de pessoas que viajam de carro para passar o fim de semana. “A preocupação nesse momento é tomar todos os cuidados necessários, garantir a segurança dos visitantes e acompanhar os números da epidemia.”
Para os próximos meses, enquanto turistas de outras partes do Brasil e do exterior não vêm, uma das apostas em Foz do Iguaçu é no turismo de eventos. “São Paulo e Rio de Janeiro, onde muitas empresas costumam realizar eventos corporativos, têm números altos de coronavírus. Como aqui os índices estão menores, Foz pode se tornar um destino mais seguro para esses eventos”, acredita Cristiane.
Em entrevista à Gazeta do Povo, a diretora técnica da Paraná Turismo, Isabella Tioqueta, disse que o segmento que mais tem sofrido nesse período é justamente o turismo de negócios e eventos. Segundo ela, o estado já está preparando protocolos sanitários, de caráter orientativo, para empresas do segmento turístico. São recomendações relacionadas ao funcionamento de hotéis, bares, restaurantes e empresas de guias turísticos.
“A retomada deve começar com o turismo rural, de aventura e o ecoturismo, que são realizados em áreas abertas, onde há menos aglomeração de pessoas”, afirmou.
Apoio do governo é essencial para retomada do turismo, diz FGV
Em seu estudo sobre os impactos da Covid-19 no turismo, a FGV alerta que os efeitos da paralisação tendem a se estender por um longo período.
“Mesmo com o fim do período de maior isolamento social, com a queda de renda da população, os primeiros cenários indicam que a demanda pelos serviços de turismo e dos setores relacionados não será a mesma, já que a predisposição para gastos em viagens ainda estará condicionada a uma maior segurança sanitária do destino a ser visitado”, indica o estudo. O prazo estimado para recuperação econômica do setor é de, pelo menos, 12 meses após o pico da pandemia.
“Mesmo sendo um setor essencialmente privado, a força das políticas governamentais será fundamental para a recuperação do turismo e sua capacidade de geração de empregos e divisas”, acrescenta a FGV. Para isso, sugere algumas ações por parte dos governos, como disponibilização de crédito ao setor (principalmente o aéreo); reequilíbrio de contratos de concessão; crédito facilitado e subsidiado a micro e pequenas empresas; investimento na promoção do turismo doméstico; e crédito ao consumidor com condições atrativas.
Um projeto protocolado pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN) prevê a destinação de R$ 3 bilhões para ações emergenciais de apoio ao turismo. Os recursos, que seriam repassados a estados e municípios, serviriam para bancar o auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores do setor e subsídio mensal de R$ 3 mil a R$ 10 mil para micro e pequenas empresas que tiveram as atividades interrompidas. A proposta ainda não tem previsão para ser votada.
Novas experiências para superar a crise
Assim como tantos outros ramos da economia, o turismo também precisará se reinventar para se manter e se recuperar no pós-pandemia. A OMT lançou no fim de maio uma cartilha com diretrizes para o setor retomar as atividades de maneira segura e sustentável. Entre essas diretrizes está a adoção de protocolos de segurança que reduzam riscos em cada etapa da cadeia: aferição da temperatura, uso de máscaras, distanciamento físico, limpeza periódica de ambientes e fornecimento de kits para viagens mais seguras.
A OMT também destaca a necessidade de criar novas experiências, promovendo o turismo doméstico através de produtos segmentados e mais individualizados, focados no ecoturismo, cultura, esporte, turismo rural e rotas locais. Em seu estudo, a FGV cita a realização de eventos como uma alternativa importante.
“Podem ser pensados eventos, shows, festivais e outras atrações para o público local e visitante em destinos turísticos. Além disso, podem ser reforçados eventos internacionais de negócios, como feiras e congressos, através de mecanismos de incentivo e descontos em taxas para trazer mais empresas e compradores, planejando agendas com compromissos comerciais, networking e experiências turísticas.”
Esta reportagem é parte da série “Retratos da economia”, que aborda os efeitos da crise do coronavírus sobre a economia brasileira e também os planos do governo para a retomada. Os demais textos da série estão aqui.
Fonte: Gazeta do Povo