Chapada Diamantina: Produção de vinhos finos vai gerar emprego e renda

Chapada Diamantina

Novo tesouro da região também vai implementar o turismo; saiba mais

As terras margeadas pela Serra do Sincorá não eram a primeira opção da família que migrou do Rio Grande do Sul para a Bahia em 1984. Os Borré vieram atraídos pelas notícias da franca expansão agrícola nas regiões Norte e Nordeste, assim como centenas de outras famílias sulistas. Eles sonhavam com o Oeste baiano, mas o custo das terras e as condições climáticas pesaram a favor da Chapada Diamantina.

Quase quarenta anos depois, a família, já em sua terceira geração, colhe os frutos da escolha. A cadeia de montanhas do Sincorá, que cerca as terras na região de Mucugê, e uma altitude superior aos mil metros fizeram verdade a profecia de Pero Vaz de Caminha, mais de 500 anos depois e a mais de 700 quilômetros de distância do local em que ele viu pela primeira vez o Brasil: “Nesta terra, em se plantando, tudo dá”.

Há um sentimento de contentamento em Fabiano Borré ao descrever o Projeto Uvva – Cepas Diamantinas. Há alguns anos se achava que não havia possibilidade de se produzir bons vinhos na Bahia, mas o trabalho desenvolvido pela Fazenda Progresso fez o improvável se tornar realidade. Em 2012, o grupo empresarial da família iniciou o plantio de videiras experimentais em dois hectares entre os municípios de Mucugê e Ibicoara. Hoje a área ocupada com uvas soma mais de 40 hectares, que dão sustentação à produção da bebida que deve chegar ao mercado em 2021.

“Acabamos de lançar a marca e o empreendimento. O próximo passo será o lançamento dos vinhos, que deve ocorrer no máximo em mais dois meses. O mercado que almejamos é o de vinhos finos, principalmente no Brasil”, explica Fabiano Borré, diretor de negócios Café e Vinho da Fazenda Progresso.

O Projeto Uvva não apenas confirma em uma escala maior o que outros produtores já perceberam, que a Chapada Diamantina é propícia à produção de vinhos, como vai ajudar a levar para o mundo o terroir da região. A palavra francesa, que se pronuncia mais ou menos como terroar e que não tem uma tradução exata em outras línguas, refere-se ao conjunto de fatores que caracterizam a bebida. Entre eles, topografia, geologia, processo de cultivo, drenagem, clima, microclima, castas, intervenção humana, cultura, história e tradição.

As garrafas da marca prometem entregar um terroir que é composto tanto características dos vinhedos a uma altitude de 1.150 metros acima do nível do mar, quanto do solo, classificado como Franco-Argilo-Arenoso, que carrega de suas origens inúmeras camadas de arenitos, conglomerados e calcários, resultantes de depósitos sedimentares primitivos.

A qualidade da drenagem favorece um bom desenvolvimento das raízes, permitindo-as buscar nutrientes em camadas mais profundas do solo, fator que contribui para a complexidade dos vinhos. O processo de dupla poda, que permite controlar o processo de amadurecimento das uvas, ajudou a empresa a direcionar a colheita para o momento ideal. Fabiano Borré lembra que um fator de extrema importância se juntou às condições geográficas para o sucesso do projeto. “O uso do conhecimento, tecnologia e boas práticas se somam às questões naturais para tornar tudo possível”, destaca.

A vinícola vai oferecer uma gama completa de vinhos, incluindo os tintos, brancos e espumantes. Entre as variedades de uvas que serão utilizadas estão algumas das mais tradicionais e conhecidas no mundo dos vinhos, como Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet  Franc, Petit Verdor e Syrah, no caso da bebida tinta. No caso das brancas, o foco está na Chardonnay e Sauvignon Blanc. “Realizamos diversos testes de viabilidade e adaptação destas cepas ao nosso terroir, através de uma parceria que foi fundamental com a Embrapa Uvas e Vinhos”, explica Fabiano Borré.

A Fazenda Progresso tem um corpo funcional fixo com aproximadamente 500 colaboradores. Em época de safra de café costumam ser adicionados entre 200 e 300 trabalhadores, a depender do ano safra. A vinícola já conta com uma equipe de 60 funcionários, considerando o campo e a indústria.

A estimativa é que este contingente seja elevado para algo em torno de 200 pessoas com o funcionamento de todo o complexo: vinícola, hotel e restaurante.  “A mão de obra precisa ser treinada para o cultivo das videiras e a capacitação é constante, tendo em vista principalmente que são novos processos de trabalho que estão sendo requisitados. Obviamente algumas novas profissões também começaram a ser demandadas, enólogos, pesquisadores, profissionais de laboratório, engenheiros dentre outras”, conta Fabiano.

A saga da família
Houve um tempo em que a grande riqueza da Chapada Diamantina estava escondida nas profundezas da terra. O minério que dá nome à região fez dela uma das mais prósperas na Bahia do Século XIX. E antes do diamante foi a vez do ouro. Quase um século e meio depois, os novos desbravadores da região miravam a conquista das terras agricultáveis da região.

A vinda da família Borré para a Bahia em 1984 repetiu o caminho realizado por outros imigrantes da Região Sul do Brasil, atraídos pela notícia de uma nova fronteira agrícola no Nordeste do Brasil. O objetivo era o ingresso definitivo no mundo do agronegócio e o sonho, conseguir terras no Oeste baiano onde já havia a presença de outras famílias sulistas. “O custo das terras e as condições climáticas diferenciadas pesaram a favor da Chapada Diamantina”, conta Fabiano Borré.

O pai dele, o produtor Ivo Borré conta num vídeo sobre a saga da família que na realidade o desejo era se instalar no Mato Grosso do Sul. Após passar pelo estado do Centro-Oeste, se instalaram em Mucugê, onde compraram a terra. Parte do pagamento foi feito com o veículo usado no transporte.

Além do destino diferente do idealizado inicialmente, a cultura que prosperou também foi outra. “A intenção era plantar cereais, trigo e soja. Perdemos duas safras de soja e duas de trigo”, lembra Ivo.

Foi em 1988 que um grupo de japoneses arrendou a área para plantar batatas. Quando as terras foram devolvidas, a família repetiu o plantio do tubérculo, desta vez por conta própria. Conseguiram 1,8 hectare no primeiro ano. “Daí, fomos para quatro hectares, depois fomos para seis, oito. Com o tempo estávamos plantando 120 por ano e já estávamos nos achando grandes”, lembra. Em 2006, eram 2 mil hectares por ano.

A partir de então houve um movimento de ampliação, com o plantio de cafés especiais, cebolas, tomates e agora uvas para vinho e o negócio já está na terceira geração familiar. “Me sinto tão realizado que às vezes nem recordo do sacrifício que a gente realizou. Ajudamos a desenvolver uma região onde antes não existia nada”, diz Ivo.

A busca por agregar valor à produção rural, com o beneficiamento do cultivo e em alguns casos  até com processos de industrialização é apenas uma das inovações introduzidas pela Fazenda Progresso na entre os montes da Serra do Sincorá.

É deles a marca de cafés especiais Latitude 13. E o objetivo da empresa é repetir com a vinícola o mesmo processo realizado no caso do café. “O Latitude13 nasceu com o objetivo de ofertar aos brasileiros e baianos cafés extremamente especiais, que até então eram apenas exportados para os mercados mais exigentes do mundo”, destaca Fabiano Borré.

“O Projeto UVVA tem em sua essência a mesma paixão por produzir produtos especiais. Desta forma eu diria que o que há de comum entre os dois negócios é a valorização do terroir da Chapada Diamantina, através do direcionamento para se extrair o que há de melhor tanto em termos qualitativos, como em relação à sustentabilidade e  geração de riqueza e reconhecimento para a região como um todo”, diz.

É complexo o processo para o desenvolvimento da cadeia de produção, porém fundamental para quem deseja viver da terra, acredita Fabiano Borré. “Acreditamos na agregação de valor como uma ferramenta contundente para gerar perpetuidade aos negócios, tendo em vista a gama de oportunidades e benefícios trazida pela implementação deste conceito produtivo”, avalia. Ele avalia a necessidade de uma significativa melhoria no ambiente de negócios no país para tornar iniciativas como as da Fazenda Progresso cada vez mais comuns.

Enoturismo
O processo de produção do vinho é apenas parte de um projeto maior da Fazenda Progresso que consiste ainda na construção de um hotel boutique na vinícola, para impulsionar o enoturismo. “Em termos de diferenciais podemos citar principalmente a sinergia existente entre o eco-agro-enoturismo, que será fomentada pelo projeto. Precisamos lembrar que agricultura e turismo são as duas grandes forças econômicas da Chapada Diamantina e que são também a base da Uvva”, destaca Fabiano Borré.

“O Enoturismo será um dos pilares do nosso projeto e contamos com ele para que tudo se viabilize. Buscaremos ofertar ao visitante as mesmas experiências encontradas no Enoturismo ao redor do mundo, com a benesse da cordialidade tão marcante do povo baiano”, explica. O hotel está em fase de projeto arquitetônico e a expectativa é que as obras estejam concluídas em até dois anos, contando a partir de agora.

“Será possível se hospedar às margens dos vinhedos com vista para a cadeia de montanhas do Sincorá”, diz. “O plano é que o Hotel Boutique siga os mesmos princípios que nortearam a concepção da Vinícola UVVA e traga um complemento que oferte uma experiência de completa imersão no mundo do vinho e na própria Chapada Diamantina”, explica.

Além da contribuição econômica com a geração de centenas de postos de trabalho direta e indiretamente relacionados à produção do vinho, a vinícola Uvva vai fomentar um novo campo de atração turística na Chapada Diamantina, acredita Fabiano Borré. Ele lembra que o enoturismo tem potencial para atrair uma nova cultura ligada ao mundo do vinho, que deve promover incrementos nas redes hoteleira e gastronômica da região.

Localização privilegiada
O agrônomo e produtor Jairo Vaz explica que as elevadas altitudes dão à Chapada Diamantina uma condição única para a agricultura. “Aqui nós temos um inverno que não é extremo, é agradável. Isso dá um conforto térmico tanto para  a vida humana quanto para as plantas”, explica. “Não vejo como comparar um vinho da Chapada, com Vale do São Francisco ou de outras regiões”, avalia.

Ele acredita que a Chapada deve seguir os passos da Serra Gaúcha, onde grandes projetos de produção convivem com empreendimentos de pequeno e de médio porte. “Vai ser bom para todo mundo. Se traçar um paralelo, no Vale dos Vinhedos as grandes vinícolas convivem com mais de 500 pequenas. É algo que pode acontecer aqui”, acredita.

Ele e mais quatro produtores estão produzindo uvas numa área de sete hectares. “Montamos uma pequena cantina, nem chamamos ainda de vinícola. É um local onde ainda estamos elaborando os vinhos, de maneira artesanal, mas com toda a tecnologia”, conta. No próximo ano, eles devem iniciar a construção de uma vinícola com previsão de produzir aproximadamente 50 mil garrafas por ano. Agora em 2020, mesmo com a produção bastante artesanal, a previsão é de chegar às 20 mil garrafas.

Entre os dias 10 e 12 de outubro, ele vai lançar um roteiro de visitas à propriedade, em Morro do Chapéu. “O enoturismo, ao atrair as pessoas para cá, vai preencher uma demanda da chamada Chapada Norte. Morro do Chapéu ainda não está inserido no circuito do turismo. Falta infraestrutura, mas com o fluxo de pessoas é normal que isso pressione outros empreendedores”, acredita.

Eduardo Rodrigues, superintendente de políticas do Agronegócio da Secretaria da Agricultura da Bahia (Seagri), acredita que o processo de expansão na produção de vinhos na Bahia é irreversível. Ele lembra que hoje o estado já tem no Vale do São Francisco uma grande região estruturada, mas acredita que a Chapada também tem potencial para se tornar uma importante área produtora.

“O movimento que está se consolidando na Chapara é muito interessante porque estã trabalhando com vinhos finos, especiais, associados a uvas que são produzidas muitas vezes fora do país, e com grande grande sucesso”, diz.

Eduard Rodrigues acredita que a região tem grande potencial para expansão. “Tem gente na região utilizando tecnologias para o primeiro mundo. Antigamente se dizia que não se produzia uvas na Bahia porque o clima não favorecia. Aí veio o São Francisco e agora estamos criando outro polo de produção no estado bastante interessante”, afirma.

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