O Chile orgulha-se dos seus 6.400 hectares de vinhedos cultivados com a carménère. Esta variedade se tornou a uva emblemática do país andino depois que o ampelógrafo francês Jean Michel Boursiquot descobriu suas vinhas misturadas em vinhedos de merlot, em 1994.
Desde então, os enólogos se esforçam não apenas para conhecer a variedade como para ter um carménère premium para chamar de seu. O mais recente exemplo é o Obliqua, o rótulo premium da Viña Ventisquero. Com a produção restrita a menos de 4 mil garrafas, e preço sugerido de R$ 449 a garrafa, o vinho começa a chegar no Brasil nesta semana, importado pela Cantu.
Na taça, o tinto tem qualidade para estar entres os grandes representantes desta variedade, como o Carmín de Peumo, que a vinícola Concha y Toro elabora no vale de Peumo; ou o Purple Angel Carménère, que a Viña Montes faz no Vale de Apalta. Ou o Clos Apalta, que tem a carménère como variedade principal, mas não a única do seu blend.
Apesar dos milhares de carménère que recheiam as taças dos consumidores – brasileiros inclusive –, são poucos os vinhos de alta gama desta variedade. A maioria dos carménère está em uma segunda faixa de qualidade, de bons, mas não de grandes vinhos. É como se os enólogos ainda precisassem conhecer mais da variedade para elaborar os seus vinhos premiuns.
Na Ventisquero, a jornada até o Obliqua foi longa. O enólogo Felipe Tosso e o viticultor Sergio Hormazabal demoraram quase 15 anos para chegar ao vinho. Começaram procurando o melhor terroir para a variedade, entre as suas parcelas de vinhedos no vale de Apalta. Primeiro foi uma busca mais empírica e, desde de 2007, de maneira mais científica, quando a Ventisquero começou um projeto de mapear os diferentes solos de seus vinhedos.
Acabaram elegendo a parcela 23, de menos de 1,5 hectare, cultivada a 500 metros de altura do nível do mar, no vinhedo La Roblería. Rodeada por dois vales, essa parcela plantada em 1998 tem um solo de argila, mesclado com areia e granito, e com muitas pedras angulares de origem coluvial, de boa drenagem. “É uma ilha especial, diferenciada, dentro do novo vinhedo em Apalta”, explica Tosso.
Essa parcela gerava um carménère de cacho menor, pesando cerca de 800 gramas contra os mais de 1,2 kg dos demais. Começaram a vinificar suas uvas separadamente, atestando a sua complexidade. Mas foi apenas em 2013 que a dupla, junto com o enólogo consultor John Durval, decidiu que essa seria a parcela de vinhedos para o novo rótulo. Até então, as suas uvas, mesmo vinificadas separadamente, eram utilizadas no rótulo Vértice.
A primeira safra do Obliqua a chegar ao mercado é a de 2017, um ano de clima mais quente e, teoricamente, mais difícil para o vinho ganhar complexidade. “Colhemos as uvas no fim de março, quando normalmente a carménère é colhida no final de abril, começo de maio”, explica Tosso. Depois de fermentado, o vinho amadureceu por 22 meses, entre barricas francesas de 300 litros e foudres também de carvalho francês.
Na taça, o vinho destaca-se pelas notas de frutas vermelhas frescas, notas de especiarias e balsâmicas. Não traz os aromas de fruta mais madura e de pimentão verde, de tantos carménère de média gama. É encorpado, com taninos bem marcados e boa complexidade. É um vinho de guarda. “Temos de ir até onde a qualidade permite, sem distorcer o perfil da carménère”, diz Hormazabal.
O Obliqua, ainda, deixa claro a mudança de filosofia por que passa a Ventisquero. Desde o projeto Tara, que nasceu uma década atrás com o objetivo de cultivar variedades em um clima extremo, o deserto da Atacama, que a vinícola vem lapidando melhor os seus vinhos. “Há uma maturidade e tranquilidade da nossa equipe”, diz Tosso. “Queremos revelar o nosso terroir”, conclui ele.