A pipa gigante que emoldura o acesso sul de Bento Gonçalves é mais do que o pórtico da cidade. Ao atravessar a estrutura de pouco mais de 17 metros de altura, quase o equivalente a um prédio de seis andares, o visitante adentra a um portal cujo destino é um só: o “mundo do vinho”.
Quase tudo nessa cidade da Serra gaúcha, a cerca de 120 quilômetros de Porto Alegre, remete à bebida introduzida pelos imigrantes italianos na região. A cultura deu tão certo que Bento Gonçalves enfileira predicativos que a chancelaram como a Capital Brasileira do Vinho.
O slogan, aliás, surgiu a partir de 1967, quando o município resolveu que era hora de mostrar ao Brasil seu potencial vitivinícola. Naquele ano, a primeira edição da Festa Nacional do Vinho, mais conhecida como Fenavinho, projetou o nome do município no país inteiro – e Bento Gonçalves nunca mais seria a mesma cidade, experimentando um novo capítulo de desenvolvimento econômico.
Desde então, a festa passou a ocorrer em anos alternados, até ser resgatada após um hiato de oito anos, em 2019, pelo Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves. A pandemia acabou adiando para 2021 a realização de sua 17ª edição presencial, remarcada de 3 a 13 de junho, no Parque de Eventos da cidade, que também recebe no mesmo período a maior feira multissetorial do país, a ExpoBento, com seus cerca de 450 expositores.
Ali, a Fenavinho estará representada por sua Vila Típica. O cenário emula o casario típico do início do século 20 da região, bem como os espaços de convivência comunitária que reuniam os imigrantes em torno de cantorias e filós – as festas regadas a vinho, danças e mesa farta. Alegria, portanto, não faltará e, caso você esteja por lá num final de semana, pode dar sorte de fazer parte de um “trenzinho humano” cantando “Funiculi, Funiculá”.
A tal vila também é o espaço que reúne as mais famosas vinícolas brasileiras, onde você pode degustar alguns dos mais premiados vinhos nacionais. E, ainda, acompanhar o funcionamento de um moinho movido a água, tão comum na Bento de finais do século 19 e início do século 20, ou comer um pão quentinho recém-saído do forno de pedra, iguais aos preparados pelas “nonnas” no interior da cidade. Como não poderia deixar de ser, a Vila Típica também traz algumas das iguarias mais típicas da região, responsáveis por sua fama gastronômica. Galeto, massa e polenta são alguns dos pratos encontrados em seus restaurantes, representantes de um verdadeiro patrimônio imaterial da Serra.
O vinho encanado
O capítulo mais emblemático da Fenavinho, motivo de sua fama Brasil afora, ocorre antes de junho. Em maio, nos finais de semana de 22 e 23 e de 29 e 30, o icônico vinho encanado levará milhares de pessoas ao coração da cidade. O sistema é disposto em torneiras, porém, o que sai delas não é água, e sim o famoso vinho elaborado na cidade. Assim, se estabelece uma grande confraternização em torno da bebida, quando as ruas das cercanias são fechadas e espetáculos artísticos deixam ainda mais especiais os momentos compartilhados por locais e turistas, sempre na companhia do trio de soberanas da festa.
Ali no Centro, o visitante percebe como o vinho está em todos os cantos de Bento Gonçalves. O vinho encanado fica sediado na Casa do Vinho Moysés Michelon – idealizador da Fenavinho -, que por sua vez está instalada na Via del Vino, na Rua Marechal Deodoro. Até as lixeiras desse espaço, em frente à centenária casa que abriga a prefeitura, lembram pipas de vinho, e a poucos passos dali, na Rua Saldanha Marinho, o guard-rail é emoldurado por cachos de uva em metal.
Paraíso enoturista do país
Em Bento Gonçalves, há muito a se descobrir se você for um amante dos vinhos. A cidade reúne diversas vinícolas que oferecem as mais variadas experiências, desde amassar uvas com os pés durante a colheita, entre janeiro e março, até fazer uma refeição sob os parreirais perfumados, além das clássicas degustações.
Os cenários de suas áreas vitícolas são arrebatadores, com parreirais esparramados como colchas sobre morros, encostas e vales. O mais famoso deles, o distrito do Vale dos Vinhedos, foi a primeira região do país a obter o selo de Indicação Geográfica, em 2002. Com sua variedade de vinícolas que vão de grandes complexos a pequenas butiques, reúne também pousadas e restaurantes, oferecendo toda infraestrutura necessária para receber turistas – em 2019, foram quase 450 mil deles.
Se o Vale dos Vinhedos é o mais conhecido, no entanto, não é o único. Os três outros distritos da cidade também reúnem inúmeros estabelecimentos em meio a muitos atrativos naturais que transformam a cidade no paraíso brasileiro do enoturismo. Eles oferecem roteiros turísticos com experiências marcantes, como o Cantinas Históricas, em Faria Lemos; o Vale do Rio das Antes, em Tuiuty; e o Caminhos de Pedra, em São Pedro; oportunizando uma vivência in loco dos costumes e dos saberes herdados dos imigrantes.
Em Bento Gonçalves, depois que o portal para o mundo do vinho for cruzado, fica fácil se perder nessa realidade paralela. Nela, até uma Maria Fumaça ganha o nome de Trem do Vinho – um passeio por três municípios em que a degustação da bebida é um dos atrativos – e as igrejas, quando não são feitas do líquido de Baco, como a Capela Nossa Senhora das Neves no Vale dos Vinhedos, são erguidas em formato de pipa, como a Igreja São Bento, no bairro homônimo.