Projeto possibilita independência financeira, força, autonomia e esperança para mulheres em situação vulnerável
No final da adolescência, Fernanda Samaia, 30 anos, mudou-se sozinha de São Paulo para Los Angeles para terminar o ensino médio. Acabou emendando a graduação e o mestrado em psicologia na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e na Pepperdine University respectivamente.
Entre a faculdade e o mestrado, Fernanda começou a trabalhar no Valley Economic Development Center (maior corporação de desenvolvimento de negócios sem fins lucrativos do mundo), onde ajudava mulheres em situação de vulnerabilidade social a analisar projetos de negócios para ter subsídios do microcrédito e iniciarem pequenos empreendimentos. “Conversando com mulheres que passaram por diversos traumas e abusos, mudei como pessoa e percebi a importância do braço financeiro na constituição da autonomia da mulher”.
Após iniciar o mestrado em psicologia clínica, Fernanda focou em atender mulheres que sofreram traumas profundos e se deparou com uma realidade bastante dolorosa. “Atendi mulheres americanas que viviam na extrema pobreza e muitas delas foram abusadas e traficadas. Foi nesta experiência que observei o quão importante para elas ter o apoio emocional para seguir suas vidas”, conta.
Com essas duas experiências, Fernanda, começou a pensar e estruturar formas de como mudar a realidade de mulheres em situação de vulnerabilidade onde alinhasse ajuda psicológica, autonomia financeira e mercado de trabalho. Já de volta ao Brasil, teve a constatação da sua ideia. Por aqui, ela visitou pequenas comunidades do sertão baiano: os traumas eram muito semelhantes, porém não, existia qualquer tipo de estrutura para ajudá-las. Foi então, que surgiu o desejo de criar algo para dar capacitação técnica e autonomia financeira e emocional para mulheres no Brasil.
Em 2019, em definitivo no Brasil, a psicóloga frequentou abrigos, centros de defesa e convivência da mulher, diversas comunidades e, enfim, decidiu aliar seu histórico familiar com os próprios desejos. Aliado a isso voltou-se às lembranças da bisavó cuidando dos terrenos de café em Brotas, convenceu o pai a voltar a investir na lavoura de café e inscreveu-se em cursos de cafés especiais. Em 2020, nasceu a ONG Selo Amor Espresso.
O projeto
Com seu duplo significado, a ONG “Selo Amor Expresso”, associa o mundo do café com o impacto social positivo e o amor pelas pessoas. A ideia é ajudar a quebrar o ciclo de pobreza e opressão da mulher no Brasil conectando recursos financeiros a comunidades vulneráveis. A ONG ajuda, mulheres em situação vulnerável, por meio de uma jornada que envolve acompanhamento psicológico e treinamento profissional de barista. “Até então, minha conexão com café era a lembrança da minha bisavó nas plantações no interior, mas é um mundo apaixonante. Sei do potencial dessa profissão em ascensão que prescinde de formação acadêmica e gera perspectivas de crescimento na carreira, por isso a ideia de transformá-lo em oportunidades para as mulheres que já sofreram muito. Ele possibilita que elas voltem a sonhar e trace novas metas de vida”, conta Fernanda.
O projeto iniciou-se dentro de uma comunidade do bairro Parque Novo Mundo, na zona norte paulistana e hoje as alunas são direcionadas a empresas parceiras como: Pati Piva, Um Coffee Co., Café Chérie, Soul Café e Isabela Akkari. “Já ouvimos histórias de alunas formadas (formamos seis turmas) pela ONG estarem em seus empregos há mais de uma ano, além disso, elas voltaram a ter dignidade. Temos histórias de mulheres que moravam em abrigos e por conta do trabalho conseguirem alugar suas casas. Também tivemos relatos de mães que conseguiram a guarda de seus filhos por conta de estarem empregadas. Para algo tão imenso funcionar, Fernanda conta com a co-fundadora e hoje vice-presidente, Maria Alexandra Suaiden além de um conselho de mulheres que fazer a ONG acontecer.
A dinâmica do projeto
A capacitação para se tornar barista, tem duração de oito semanas, o grupo passa por treinamento intensivo na área técnica do café. Além disso, o programa conta com apoio psicológico e capacitação emocional para o mercado de trabalho. Em outras palavras, práticas de controle emocional, comunicação não violenta, autoconhecimento, automotivação, assim como montagem de currículo, administração básica de finanças e dinâmicas para entrevistas de emprego. Ao final do processo, todas as alunas são encaminhadas para entrevistas de emprego e, uma vez contratadas, recebem mentoria individual por três meses.
Um ciclo completo
Foi dessa vontade de crescimento dos negócios que pensaram em um programa de impacto socioambiental economicamente viável. Socialmente falando, são as mulheres inseridas no mercado de trabalho, com metas e autoestima renovadas. Ambientalmente, a implantação de uma agrofloresta por meio do plantio consorciado com macadâmia, alimentação orgânica das plantas e gerenciamento responsável de água.
“Só vamos começar a colher as macadâmias em três anos, mas sabemos que elas conseguem influenciar nas notas sensoriais do café, causar sombreamento saudável com o tempo e diminuir a temperatura da plantação, além de enriquecer o solo. Ou seja, tem impacto ambiental e ainda pode ter retorno financeiro”, explica Fernanda.
O sistema sustentável de 200 hectares de plantio em Brotas (SP) é aplicado em cinco variedades de arábica: Paraíso, Arara, Catucaí Amarelo 2SL, IPR 100 e IAC. Toda a colheita é seletiva, a secagem em terreiro suspenso leva quase um mês e, nos terreiros de chão, mais uma semana, em formato de vulcão, para receberem sol gradualmente e concentrem maior dulçor. Uma parte dela ainda é fermentada, amplificando sua complexidade.
Ao lado de Fernanda nessa empreitada está seu irmão — Rodrigo Samaia — que trouxe todo sua expertise no mercado financeiro para o negócio. “Sempre acompanhei a história da Fernanda e vi essa oportunidade de unir a competência do nosso pai em produção de produto no agronegócio, com tudo que Fernanda construiu para conectar todos esses mundos. Ajudei no processo da criação do negócio e desenvolvemos formas para que a Amor Espresso se tornasse um ciclo positivo, completo e economicamente sustentável”, complementa.