“Se nada mudar na raiz do problema serão necessários muitos planos Marshall daqui para frente”, diz especialista sobre reconstrução do RS

Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul foi devastado por um desastre climático que transformou o estado em um verdadeiro cenário de guerra e destruição. Chuvas fortes e inundações causaram um estrago sem precedentes, levando o governador a sugerir a necessidade de um “plano Marshall”, inspirado no plano de reconstrução da Europa pós-Segunda Guerra Mundial. 

O biólogo Paulo Jubilut, professor do Aprova Total, destaca que “se nada mudar na raiz do problema, serão necessários muitos planos Marshall daqui para frente”. Em menos de um ano, o estado sofreu com inundações quatro vezes, resultando em 175 mortes. Entre 2003 e 2021, apenas 14 pessoas morreram devido a eventos climáticos extremos. A diferença nos números é alarmante e evidencia a gravidade da situação atual. 

O problema não se resume à intensidade dos eventos climáticos, mas à resposta inadequada do poder público. Muitas cidades gaúchas estavam despreparadas para as chuvas extremas, sem mapeamento de áreas de risco e planos de evacuação. Além disso, mudanças na legislação ambiental em 2021, como o “auto licenciamento” e a retirada de proteções de áreas próximas a Unidades de Conservação, pioraram a situação. 

Para Jubilut, a reconstrução deve ser feita com um plano de adaptação às mudanças climáticas. “Não adianta querer reconstruir tudo o que foi destruído tentando fazer a cidade como era antes o mais rápido possível. Cidades inteiras vão ter que mudar de lugar”, afirma o biólogo. O professor propõe que as infraestruturas urbanas sejam afastadas das áreas de maior risco, devolvendo às planícies de inundação seu papel natural de absorver o excesso de água durante chuvas fortes. 

 

Projeto chinês pode ser referência para o RS 

O modelo das “cidades-esponja”, testado com sucesso na China, pode ser uma inspiração. Projetos em cidades como Shanghai e Suzhou reduziram a água parada nas ruas em 70%, utilizando estradas e calçadas permeáveis, telhados verdes e áreas vegetadas para absorver a água. Esse tipo de solução também ajudaria a armazenar água para períodos de seca, outro efeito esperado das mudanças climáticas. 

Jubilut enfatiza que a reconstrução precisa ser inteligente e preventiva, incluindo a construção de pontes mais altas, estradas mais resistentes e sistemas de alerta eficientes. No entanto, essas medidas precisam ser acompanhadas de mudanças estruturais e políticas. “O governo estadual deve exigir a revisão dos planos diretores das cidades antes de liberar recursos para reconstrução, garantindo um olhar mais técnico e científico”, reforça.  

A experiência de outras cidades ao redor do mundo que enfrentaram desastres naturais oferece lições valiosas. Nova Orleans, devastada pelo furacão Katrina em 2005, investiu mais de 14 bilhões de dólares em um sistema de proteção aprimorado que passou no teste com o furacão Ida em 2021. Christchurch, na Nova Zelândia, e Kobe, no Japão, também se reconstruíram com sucesso após terremotos devastadores, tornando-se modelos de resiliência. 

No entanto, o Brasil enfrenta desafios significativos. De acordo com o índice ND-GAIN, o país ocupa a 86ª posição em potencial de adaptação às mudanças climáticas e a 125ª em prontidão, atrás de nações como Somália e Senegal. A capacidade baixa de investir rapidamente em ações contra desastres naturais, associada à burocracia e à má alocação de recursos, complica a situação. 

A reconstrução do Rio Grande do Sul requer uma colaboração ampla entre líderes políticos, cientistas e a sociedade civil. Pressionar os governantes a implementar ações efetivas e rápidas é essencial para garantir um futuro mais seguro e resiliente. Jubilut conclui: “Precisamos reconhecer a nova realidade climática e garantir que a população esteja informada e engajada na construção de soluções. Investir em educação sobre eventos climáticos extremos vai salvar vidas e ajudar a construir um futuro melhor para todos”.

Divulgação: economidia.com.br