A HISTÓRIA DO QUEIJO E SUA VERSATILIDADE NO CAFÉ DA MANHÃ

por Paulo Henrique de Matos Almeida

 

Apesar de tão difundido na cultura gastronômica atual da humanidade, ainda hoje é quase impossível definir precisamente a origem do processo produtivo dessa iguaria. Em termos de registros históricos, existem registros no Egito que datam de 3.100 a.C., entretanto ainda não existe uma confirmação inegável em qual região a produção de queijos se iniciou; se na Europa, na Ásia Central ou no Oriente Médio e o período de surgimento dessa produção também é impreciso, divergindo em alguns milhares de anos, entre 6.500 e 5.000 anos a.C..

O ponto comum identificado nessas peças do quebra-cabeça que constitui a produção de queijo, é que o mesmo surgiu espontaneamente, com viajantes e/ou produtores de leite pré-históricos que transportavam ou armazenavam o leite em recipientes feitos do estômago de animais, e os resíduos de quimosina presentes nos mesmos fomentaram a separação dos sólidos e do soro presentes no leite. Outro ponto interessante é que, se nesses tempos imemoriais o consumo de carne era reservado às elites, o queijo, juntamente com a manteiga, o iogurte, os ovos de aves, os peixes e os répteis constituíam a base da alimentação de grande parte da população nessa época.

A disseminação dessa cultura gastronômica permitiu que cada povo adaptasse essa inovação ao seu contexto geográfico e climático. Essa facilidade de adaptação permitiu que surgissem as mais diversas técnicas de produção e o desenvolvimento de técnicas de maturação que garantiam a preservação dos mesmos e suas qualidades nutritivas.

 

 

Disseminado rapidamente em todas as regiões da Europa, quando começam as grandes navegações e “descoberta” do Novo Mundo, o queijo, obrigatoriamente veio acompanhando esses colonizadores. No caso do Brasil, os portugueses trouxeram animais para tracionar as cargas mais pesadas, além de fornecer leite para a subsistência desses fluxos humanos. Inicialmente os portugueses trouxeram consigo o Cardo, uma espécie de planta silvestre das montanhas portuguesas, que era utilizada para coagular o leite e permitir a produção de queijo. Entretanto, com o passar do tempo este Cardo acabou e, seguindo a história de adaptabilidade das técnicas de produção de queijo, descobriram e adotaram a raspa do estômago de tatu salgado e defumado como substituto e também ingrediente coagulante para produção de queijo.

Com a expansão da colonização portuguesa em busca de riquezas naturais, o território do Estado de Minas Gerais recebeu três grandes fluxos colonizadores: o primeiro vindo da então capital Salvador, o segundo vindo da futura capital Rio de Janeiro e o terceiro vindo do Estado de São Paulo. Ao criarem vilarejos para apoio aos fluxos desbravadores e garantir a posse da terra, essa técnica já adaptada foi readaptada a cada região de Minas Gerais, gerando queijos que, apesar de uma raiz comum, possuem características sensoriais únicas. Nesse contexto surge o Queijo Minas Artesanal.

Com o crescimento da economia brasileira e mineira, começaram a afluir para o território europeus oriundos de outros países, sobretudo da Dinamarca, da Holanda e da Itália. Esse novo fluxo de colonização queijeira representa a profissionalização da produção de queijos no Brasil e em Minas Gerais. Estes imigrantes trouxeram consigo novas técnicas de produção de insumos (sobretudo coalhos e coagulantes) assim como novas técnicas e inspirações produtivas, a partir do conhecimento gerado em cada país. Além de influir no contexto mineiro com a introdução de novas formas de produção (inspiradas em queijos dinamarqueses, holandeses e italianos) por meio de criação dos primeiros laticínios industriais, permitiu que os produtores de Queijo Minas Artesanal (QMA) tivessem acesso a insumos mais regulares (sobretudo o coalho), melhorando, consequentemente, a qualidade das suas produções.

 

Porém, como isso interfere na nossa cultura gastronômica e no café da manhã dos meios de hospedagem de Minas Gerais?

Essa cultura multifacetada construída ao longo dos séculos no território de Minas Gerais representa a criatividade humana aplicada no desenvolvimento e na adaptação de técnicas produtivas visando a sobrevivência e a obtenção de produtos sensorialmente atrativos. A produção de queijos especiais (sejam QMA, sejam queijos utilizando outras técnicas) se confunde com o sotaque e demais características da cultura mineira, sendo quase um sinônimo da mineiridade. São produtos que foram construídos a partir da observação do meio-ambiente, da relação homem-animais-natureza, e baseada em um tripé composto pelos ingredientes, pelas técnicas e pelo tempo. Isso se traduz no fato de que cada queijo especial representa não somente um produto alimentício acabado, mas também um produto alimentício que traz consigo toda a carga histórica, cultural, geográfica e antropológica que cada produção vivenciou.

Por outro lado, devido a cada particularidade mencionada, os queijos especiais apresentam características sensoriais únicas, permitindo que os mesmos sejam consumidos com as mais variadas finalidades. Passando de um lanche rápido, a um café da manhã mais generoso, a uma harmonização com diversos componentes, a ingrediente principal ou complementar nas mais diversas receitas, o queijo ou o famoso “queijim”, faz-se presente em todo o cotidiano e nas ocasiões especiais da cultura mineira.

Nos dias atuais percebemos que os turistas têm buscado cada vez mais novas experiências sensoriais, que remetam, mesmo que por um breve período, a cultura e a história do povo de uma região, a representação do “porquê” determinado povo assume certos hábitos, sobretudo alimentares. Mesmo no Turismo de Negócios, os profissionais que estão de passagem buscam um tempo que possam agregar um pouco dessa história na sua bagagem vivencial. Ao mesmo tempo, percebem-se diversos hábitos alimentares na sociedade moderna, desde dietas com restrições de ingredientes, até refeições focadas primordialmente em proteínas e o queijo, com sua multiplicidade de apresentações e formas, consegue atender a todos os paladares.

O café da manhã constitui, normalmente, na primeira imersão cultural que um viajante vivencia ao visitar um determinado local. Infelizmente, ao longo dos últimos anos, observa-se uma padronização no cardápio que compõe um café da manhã na maioria dos meios de hospedagem. Essa padronização impede que o turista possa despertar sua curiosidade pela cultura local.

Atualmente temos a real possibilidade de quebrar esse círculo vicioso a partir do reconhecimento que a qualidade produtiva conquistada pelos diversos produtores de Minas Gerais por meio do aprimoramento das suas estruturas produtivas; para os turistas com alguma restrição alimentar, focando sua alimentação em alimentos mais leves, temos uma variedade de queijos e tempos de maturação que permitem o turista saborear essa história sem perder suas metas alimentares, já os turistas que necessitam de uma alimentação mais completa e complexa, existem diversos queijos que fornecem a energia e o sabor necessários para complementar esse café da manhã. Complementarmente esses queijos fornecem um ingrediente valioso para as mais diversas receitas, dando uma liberdade criativa para os chefs e cozinheiros dos meios de hospedagem únicos. Finalmente, essa diversidade tem o potencial de fomentar a curiosidade do turista para outras receitas e produtos do meio de hospedagem e do seu território, podendo potencializar a extensão da sua estadia ou fomentando uma nova visita.

Saudações queijeiras!

 

Paulo Henrique de Matos Almeida
Turismólogo, Fazendeiro e Produtor do Queijo Minas Artesanal Pingo do Mula.

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