Crianças saindo correndo da tradicional El Vesuvio, com um sorriso no rosto e um sorvete na mão, para encontrar os pais sentados do outro lado da calçada.
Grupos de turistas tirando selfies no meio da avenida com o Obelisco ao fundo, filas para os antigos cinemas, como o Lorca, se estendendo sobre a via.
Casais e idosos andando onde pouco antes transitavam carros, apenas a passeio ou a caminho de teatros como o San Martín ou de restaurantes históricos como o Güerrin, o Palacio de la Papa Frita e Los Inmortales.
Cenas que seriam impossíveis até pouco tempo atrás, agora são realidade. Para recuperar a boemia que sempre marcou a avenida Corrientes, com seus teatros, cafés antigos, livrarias abertas até a madrugada, cinemas e pizzarias, a prefeitura de Buenos Aires resolveu tomar uma decisão.
Entre 19h e 2h da manhã, diariamente, o trecho mais relevante culturalmente da Corrientes -da esquina da avenida Callao até a 9 de Julio- tem parte das faixas reservada apenas para pedestres. Na outra, só podem transitar ônibus e táxis.
O objetivo é incentivar as pessoas a voltar a frequentar a avenida Corrientes, hábito portenho e dos turistas e que vinha sendo deixado de lado nos últimos anos devido à falta de segurança -era comum a atividade de batedores de carteiras- e ao fato de que bairros como Palermo Soho, Puerto Madero e Villa Crespo vinham roubando público.
Os serviços de filmes e séries por streaming, que podem ser vistos em casa, e redes multiplex espalhadas pela cidade, também estavam esvaziando os cinemas de rua tradicionais da Corrientes. Já os teatros sempre tiveram público.
“Mas nos últimos anos, a gente vinha, via a peça e pegava o carro para ir comer em outro lugar, aqui tinha muito assalto”, diz Lucila Sánchez, 52. Agora, a coisa parece estar mudando. Na última quinta à noite, as pizzarias e restaurantes estavam cheios e havia muito policiamento.
“Acho que a medida vai trazer o público de volta, sim. Só precisa resolver o acesso para quem vem de carro, porque estacionar aqui ficou difícil, e nem todo mundo gosta de pegar ônibus ou metrô muito tarde”, diz o garçom Adrian Pergollini, 62.
As dificuldades, porém, parecem pequenas perto dos efeitos positivos. “[O passeio]É agradável e barato. Aqui, come-se uma pizza, caminha-se, gasta-se um bilhete de metrô e o programa está feito. Em tempos de crise como agora, é perfeito”, diz Mariluz Salcedo, 49, que passeava com o marido e o filho. Ela se refere à alta inflação, que apenas no mês de março bateu um novo recorde histórico, 4,7%.
A prefeitura avalia se estenderá a experiência para outros trechos da longa avenida, que tem 9 km e atravessa cinco bairros da cidade: San Nicolás, Balvanera, Almagro, Villa Crespo e Chacarita.
Na Corrientes, estão 24 teatros e cinemas, 28 livrarias, 37 hotéis e 58 restaurantes, pizzarias e cafés. Até a medida ser tomada, muitos sofriam risco de serem fechados. Agora, se o passeio voltar mesmo a ser um programa da moda, a história pode mudar.
As reformas incluíram uma separação entre as vias com um pequeno jardim. Durante o dia, pode-se transitar com veículo próprio em uma delas, enquanto a outra é apenas para o transporte público.
A partir das 19h, veículos particulares são proibidos, e entram em cena os pedestres. Como na avenida Paulista aos domingos, há funcionários da prefeitura sinalizando e orientando o público.
Na primeira semana, a iniciativa foi um sucesso, e a Corrientes recuperou seu brilho histórico. A ver se o entusiasmo pela novidade volta a ser um hábito portenho.