Decifrando a Borgonha

por migracao

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Decifrando a Borgonha
Por Silvia Cintra Franco


Os vinhos da Borgonha são magníficos. E suas principais castas – chardonnay e pinot noir – também. Para chegar ao topo, foi preciso uma intervenção radical da parte de um duque visionário e audaz, tão audaz que já levava Audacioso atrelado ao seu nome.


Falamos de Felipe de Valois, o homem que a uva gamay e Joana d’Arc têm em comum. É este Felipe de Valois, o Audacioso, quem entregou aos ingleses a jovem libertadora da França caída em desgraça e quem extirpou da Borgonha a abundante e desqualificada gamay e, assim garantiu espaço para que a pinot noir se tornasse a rainha absoluta das uvas tintas. Tudo isso no século 14.


A única coisa decerto que o duque não conseguiu fazer foi simplificar a Borgonha para nós amantes de seus vinhos.


A Borgonha pode parecer um enigma para o amante de vinhos. Entretanto, à diferença da esfinge de Tebas, ela não devora os que falham na missão. Dá perfeitamente para seguir bebendo seus vinhos, mesmo sem atinar com a solução de seu segredo.


Os etruscos foram os primeiros a levar o vinho para lá por volta do séc. 6 a.C., muito antes dos gregos. Séculos de cultivo, vinificação, monges empenhados em experiências, muita tentativa e erro, acabaram por resultar em vinhos magníficos.




Revelando as Meias Verdades


Entretanto, o que se conhece da Borgonha são mais meias verdades do que verdades por inteiro.


Fala-se que os grandes vinhos da Borgonha são feitos com a chardonnay e a pinot noir. Ora, não é bem isso. Os grandes vinhos da Borgonha não são apenas feitos de chardonnay ou de pinot noir. Eis aqui a primeira meia verdade.


Os grandes vinhos da Borgonha são feitos de terroir. Isto mesmo, de terroir! Quer conferir? Aproveite que a Expovinis começa na terça dia 24, vá ao estande da França e deguste a chardonnay vinda da pequena comuna ou village de Puligny-Montrachet e, em seguida, a chardonnay vinda de Chassagne-Montrachet, outra pequena village encostada em Puligny-Montrachet. São iguais? Nem por decreto.


Se a chardonnay é sempre a casta comum, os vinhos que vêm das diferentes villages seja Chassagne-Montrachet, seja de Puligny-Montrachet são tão diferentes entre si que não cabe aqui o reducionismo de dizer que são vinhos feitos de chardonnay. E o mesmo se aplica à pinot noir. O tinto de pinot noir que vem de Volnay é diferente do de Pommard.


É por isso que não adianta pespegar no rótulo do vinho o termo chardonnay ou pinot noir, como se faz em Napa Valley, na Argentina etc., porque jamais será uma informação suficiente. O dia em que você provar um Puligny-Montrachet e depois um Chassagne-Montrachet vai entender claramente o que Jean-Pierre Kroptal declara no vídeo (legendado).


Terroir e Climat. Durma-se com um barulho desses!


A verdade por inteiro é de que na Borgonha os vinhos são feitos de casta e de terroir. E também de climat.


Eis aqui uma segunda meia verdade. Fala se em clima, e olhamos todos para cima, para o céu. Mas Na Borgonha olha-se para baixo, para o solo, como explica Vèronique Drouhin, enóloga da Maison Joseph Drouhin (importação no Brasil da Mistral). Se terroir (de território) é antes de tudo uma extensão limitada de terra que têm uma unidade natural e idêntica, climat (ou lieux-dits) é o marcador desta tipicidade do terroir, tipicidade de solo, relevo e natureza desse solo, suas pedras (pierrosité), a inclinação do relevo (pente), drenagem. E climat é um conceito fundamental na Borgonha. Tão importante que foi incluído na lista de candidatos à World Heritage (Patrimônio da Humanidade) da UNESCO para decisão em julho de 2013.


É por conta do climat que Puligny tem um caráter distinto de Chassagne e Volnay de Pommard. Estão lado a lado e quando chove numa comuna, chove também na outra. Mas o que há sob o solo é bem diverso, resultado de terremotos e acidentes geológicos que remontam à era glacial e ainda antes disso. Coisa de 20 mil anos atrás.


Assim, escrever no rótulo de um branco a palavra chardonnay ou de um tinto, pinot noir, é possível, mas jamais será o bastante. Confira no vídeo legendado que fiz com Vèronique Drouhin e Jean-Pierre Kroptal na Maison Joseph Drouhin.


Mais duas verdades sobre a Borgonha.


A primeira verdade é a de que assim como não existe almoço grátis, tampouco existe Borgonha bom e barato. A segunda verdade é a de que os vinhos da Borgonha, por serem vinhos europeus, têm uma acidez superior aos modernos vinhos do Novo Mundo e, portanto, são grandes companheiros das refeições. E os brancos da Borgonha, em especial, têm uma acidez, uma austeridade que exige comida.  O chardonnay da Borgonha é um vinho austero, com notas cítricas e fresco. Nada a ver com a versão edulcorada e amadeirada do Novo Mundo.


Recomendamos degustar para conferir (e se deliciar):


Chablis AOC Domaine de Fourrey 2009 um belo chardonnay com a tipicidade de Chablis. Um branco seco, de boa pegada, e acidez agradável sem ser agressiva. Frutado, aroma intenso, cítrico, envolvente. Na boca, muito seco, mineral, cortante, mas também macio. Uma persistência que dá água na boca. Um bom chablis por R$114 na Vinea.


Chassagne-Montrachet  Joseph Drouhin 2009 é um chardonnay com toda a tipicidade da comuna ou village de Chassagne-Montrachet. Um branco fresco, elegante, macio, fantástico! R$292 na Mistral.


Saint Aubin “La Pucelle” Roux Père et Fils 2009 um branco com a tipicidade de Saint Aubin, generoso em boca, redondo, aromas cativantes cítricos, muito dino com um “after taste” que dá água na boca. R$ 197 na Zahil.


Puligny-Montrachet 1er Cru “Suis le Puits” 2007 com toda a sedutora tipicidade e classe de Puligny-Montrachet.  Classudo, fresco, elegante. R$370 na Wine Stock.


Pouilly-Fuissé Château Pouilly Cuvée 1551 2005 é um chardonnay com a tipicidade de Pouilly-Fuissé,  redondo, macio que também dá água na boca. R$ 190 na Wine Stock.


Para os amantes da Borgonha, sugiro vivamente umas férias de prazer e degustações na Borgonha. De preferência em setembro, um mês sem chuvas, o céu de estonteante luminosidade. E para quem quiser fazer um curso breve meio dia ou um dia sobre a Borgonha, minha indicação é o Taste Burgundy de Cristina Otel (email: cristina@tasteburgundy.com) Ela pega o turista no hotel, leva aos vinhedos e pequenas vinícolas, apresenta os climats e os enólogos, além das degustações. É uma prazerosa imersão na Borgonha.


Silvia Cintra Franco
Wine writer, jornalista da Wine Style da ABS, colunista do jornal OPEN dos Jardins; editora de Vinho & Gastronomia.
www.vinhoegastronomia.com.br

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