O consumidor já não é mais o mesmo de 20 anos atrás. As novas gerações cresceram com o hábito de comer fora, quase que de forma corriqueira, e tem uma visão muito mais sofisticada em relação à alimentação e aos processos envolvidos. O tempo é a nova moeda e surgem novas ocasiões de consumo. A prolongada pandemia colocou ainda mais “pimenta” nisso tudo, acelerando mudanças de comportamento e criando outras.
O impacto mais imediato foi a repentina aceleração da venda via delivery, que já vinha em uma curva de ascensão. A pesquisa Galunion e ANR (Associação Nacional de Restaurantes) aponta, por exemplo, que a penetração do delivery e take away (retirada no restaurante) chegou a 78% entre os bares e restaurantes brasileiros. Em novembro de 2020, a expectativa era que o delivery representasse quase 40% das vendas anuais. Uma pesquisa da ABF (Associação Brasileira de Franchising) em parceria com a Galunion apontou que o faturamento de franquias de alimentação com delivery praticamente dobrou durante a pandemia. Outra pesquisa, desta vez da Galunion com a Qualibest, mostrou que mais de 40% dos consumidores pretendiam aumentar os pedidos de comida pronta em casa durante a quarentena.
Outra mudança meteórica foi a digitalização feita sob vários ângulos, a começar pela comunicação e relacionamento com o consumidor. Estudos apontam que canais digitais influenciaram 80% das decisões por restaurantes em 2020, contra 50% no ano anterior. Cresceu massivamente também o uso de marketplaces de alimentação, com destaque para o iFood, e o uso do WhatsApp e aplicativos próprios para venda de alimentos, conforme mostra o gráfico.
Essas mudanças transformam profundamente as regras do jogo. No ambiente do marketplace, por exemplo, pesquisas da Galunion mostram que o consumidor faz sua seleção com base no tipo de culinária (30%) e em promoções (22%). Foi detectado também que há uma diferença no comportamento entre homens e mulheres, e de acordo com a faixa de poder aquisitivo. Já no delivery, o não cumprimento de promessas de tempo de entrega (81%), conteúdo/erro no pedido (58%) e aparência da comida (31%) são as principais questões.
É importante ressaltar também que o maior foco nas vendas para consumo fora do salão provocado pela pandemia impacta tudo: promoções por tipo de cliente, menu específico, embalagem, área para produzir, área para despachar, comunicação, relacionamento com o consumidor/fidelidade, tomadas de tempo, sistemas e, evidentemente, os resultados obtidos.
Essa abordagem é, verdadeiramente, uma nova plataforma de negócios para o Food Service que, inclusive, tem ao menos quatro grandes formatos. O já conhecido delivery (com plataforma própria de vendas/entregas ou via terceiros), o take out (retirada no salão ou via drive-thru de comidas preparadas), o grab and go (retirada de comidas prontas) e o catering (serviço de buffet in loco para mais de 10 pessoas). Se colocarmos uma lupa apenas nos negócios 100% delivery e para levar, temos oito formatos diferentes com destaque para as dark e cloud kitchens, estabelecimentos sem salão e com foco em vendas digitais.
O primeiro modelo é o Tradicional Restaurante 100% Delivery focado em uma culinária e, geralmente, sem salão. Operam muitas vezes até com letreiro na fachada, nasceram há muitos anos e são em sua maioria pizzarias. O segundo modelo é o Restaurante Virtual via Dark Kitchen própria. É bem típico que uma marca de sucesso em um local pense em abrir uma “cozinha cega” somente para atender aos pedidos de delivery. Normalmente, isso é feito quando um restaurante vende bastante tanto no salão, como no delivery, e aí a cozinha original começa a não “dar conta” do atendimento. Em geral, o empreendedor procura algo bem próximo, para não duplicar suas estruturas de gestão e passa a operar o delivery deste outro local, de forma tradicional. Temos visto também alguns restaurantes que nascem já sem salão, focados em atender às ocasiões de consumo do delivery e escolhem fazê-lo de um local próprio ou alugado somente para este fim. Os custos de ocupação são menores e a rentabilidade do negócio adequada.
Os demais modelos são mais desconhecidos, confira uma breve descrição abaixo:
Restaurante tradicional monomarca + “dark kitchen própria multimarca” no delivery: alguns negócios têm capacidade ociosa em sua cozinha, em alguma parte do dia, e resolvem abrir novas marcas somente para operar no delivery. Neste caso, a cozinha original de um negócio serve como “dark kitchen” para esta nova marca. Muitas vezes, este espaço ocioso também pode ser usado fazendo produtos para marcas de terceiros. Uma oportunidade que alguns restaurantes estão aproveitando é fazer refeições a preços competitivos para empresas como iFood, na sua marca própria chamada Loop, o “Caseirinho” da UberEats e opções existentes de expansão da marca Divino Fogão. Pode ser uma opção de gerar volume em momentos de ociosidade.
Restaurantes virtuais operados em “Cloud kitchen própria”: Já com mentalidade digital, sistemas integrados e negociações com vários canais de vendas, negócios vêm sendo montados sem salão, congregando em um mesmo espaço várias marcas virtuais de uma mesma empresa. A Cloud Kitchen é montada já com espaços pensados e opera diferentes culinárias. Caso as marcas façam sucesso, elas podem permanecer. Senão, a empresa pode trocar as marcas e culinárias naquele espaço, com agilidade. Com um portifólio de marcas de sucesso, este negócio pode se expandir, seja por meio de uma rede de lojas próprias ou franqueadas. Muitas vezes, na expansão, a empresa pode optar por ter uma Central de Produção e deixar nas unidades satélites, próprias ou franqueadas, uma operação mais focada em linha de montagem. Neste modelo temos como exemplo a Digital Restaurants já com dois anos de operação e a Zkitchen, que inaugura em breve, por exemplo.
Restaurante virtual via Dark Kitchen de terceiros (co-working de cozinhas): Uma modalidade de restaurante que tem se expandido é o restaurante virtual que resolve se instalar em um co-working de cozinhas, compartilhando alguns benefícios por estar dentro deste tipo de empreendimento. Chamamos de Dark Kitchen de terceiros, quando o empreendimento é focado na parte imobiliária, ou seja, oferece infraestrutura e cobra apenas aluguel e condomínio, e não tem muitos serviços adicionais característicos de empresas especializadas em Food Service, mas sim de empresas especializadas em gestão de condomínios e imóveis. Aqui temos várias marcas que resolvem montar seu restaurante virtual nestes condomínios dark kitchen.
Restaurantes virtuais via Cloud Kitchens de terceiros, serviço limitado: Para instalar seu restaurante virtual, você também encontra hoje espaços em que a empresa é especializada no segmento de alimentação e adiciona know-how imobiliário. E assim, você poderá ter disponível vários serviços adicionais, como: despacho do pedido centralizado, espaço de estoque em câmaras frigoríficas; softwares de gestão integrado nas plataformas de delivery e outros canais de vendas; apoio para inovação em processos e equipamentos; apoio em desenvolvimento culinário e inovação; negociações especiais para venda em plataformas de delivery etc. Um exemplo é a Kitchen Central, já com vários locais instalados no Brasil, mas que nasceu nos Estados Unidos alguns anos atrás.
Expansão do seu restaurante via Cloud Kitchens de terceiros, serviço completo: Outro modelo que está em expansão em nosso País são os operadores especializados em delivery, e que possuem Cloud Kitchens em vários locais estratégicos para o atendimento ao consumidor. Neste caso, tudo é por conta deste operador: desde o local, equipamentos, processos, equipe, treinamento e embalagens, até o planejamento de atendimento ao cliente e sua experiência, entre tantos outros procedimentos. Este operador normalmente paga pela franquia ou licenciamento da sua marca e faz esta expansão para atender o consumidor por meio do delivery. Estas Cloud Kitchens se autodenominam “cozinhas de delivery como um serviço” ou “kitchen as a service”, em inglês, e podem ser um aliado na expansão dos negócios geograficamente e para este canal de vendas. Um excelente exemplo disso é a Mimic, que opera várias marcas, e também a Green Kitchen, especializada em operações veganas.
Novas Indústrias Cloud ao Consumidor: Indústrias que fazem refeições que resolvem ampliar serviços e começam a operar via delivery com cozinhas satélites cloud kitchens. Com mentalidade digital, nascem em uma central de produção ou indústria que faça refeições (muitas vezes que eram vendidas somente congeladas por e-commerce direto) e começam a ampliar sua atuação agregando cozinhas satélites que operam com comida fresca direto ao cliente. O foco é centrado no relacionamento com o consumidor e suas demandas. Podemos citar aqui a Livup como uma destas foodtechs (negócios que mesclam alimentação e tecnologia).
Colocar esses modelos de pé, ainda mais em um ambiente de pandemia, não é tarefa fácil e passa por cinco grandes desafios. Captar e usar de forma efetiva os dados do consumidor, ajustar a oferta e canais de venda com base nestes dados, se adaptar a concorrência, executar os planos e estratégias de forma ágil e eficiente, e capacitar/cuidar de perto da equipe que, em última instância, é a responsável por esta entrega.
Fica claro que o delivery veio para ficar, mas que ainda não temos um modelo final, pois ainda há muito a se ajustar – tanto nos modelos de distribuição e entrega ao consumidor, quanto na parte econômica de alguns modelos de negócio. Cabe, portanto, aos empresários do setor analisar muito bem como irão aproveitar as oportunidades e minimizar os riscos. Já pela ótica do consumidor, sabemos que os hábitos ligados à conveniência do delivery se solidificam. Resta saber se evoluiremos na geração de experiências memoráveis neste formato de negócios na velocidade necessária. Afinal, grande parte dos clientes sentem falta da experiência de comer e socializar fora de casa!