Retorno do turismo vem com “passaporte digital de COVID” e outras inovações

por Por Márcio Padrão

Retorno do turismo vem com “passaporte digital de COVID” e outras inovações

Credito/Foto: Divulgação/CommonPass

 

 

Agora que você se vacinou ou está perto disso, que tal conhecer o mundo nas férias de novo? Pois comece a se acostumar com a ideia do certificado de vacinação de COVID para colocar na mochila. Ou no seu celular. Mas calma, sem pressa por enquanto: não só porque a pandemia ainda está matando muita gente por aí, mas também porque não existe um consenso de como será esse documento.

A ideia não é inédita. Há anos o Brasil emite um certificado que comprova a vacinação contra febre amarela. Alguns países exigem o documento para a entrada em seu território, como África do Sul, China e Tailândia; a lista é constantemente atualizada. Mas com o coronavírus como uma (ainda) preocupante ameaça global, avançam as conversas para criar um “passaporte de COVID” padronizado mundialmente, que comprove sua imunização tanto nas viagens quanto na programação cultural das grandes cidades. O desafio é imenso, envolvendo questões de burocracia, segurança, privacidade, praticidade e inclusão digital.

A retomada no turismo deve depender bastante disso, mas não só. Outras tecnologias estão sendo testadas nos aeroportos e no setor hoteleiro para trazer uma experiência mais segura e confortável aos turistas. Estes, por sua vez, também mudaram suas necessidades e expectativas na pandemia, e as empresas precisam entendê-las com ou sem a ameaça da COVID no horizonte.

 

Sai pra lá, COVID

No começo de junho, foi aprovado no Senado o projeto de lei que cria o Certificado de Imunização e Segurança Sanitária (CSS). A proposta do senador Carlos Portinho (PL-RJ) é a de que brasileiros vacinados ou que testaram negativo para COVID-19, ou outras doenças infectocontagiosas, circulem em espaços públicos ou privados onde há restrição de acesso. O projeto foi para a Câmara, onde ainda não há previsão de ser discutido.

O projeto é inspirado em uma proposta parecida da União Europeia, que criou o Certificado Verde Digital, com o mesmo objetivo do documento brasileiro. Ele abrange três tipos de certificados sobre COVID: um de vacinação, um de teste e um de recuperação de um eventual contágio da doença. A princípio, a vacinação não será uma condição prévia para entrar e sair dos países do bloco, mas poderá levar a certas restrições de circulação, como submeter-se a novos testes ou passar um tempo em quarentena ou autoisolamento. Também não haverá discriminações por fabricante de vacina.

Os certificados poderão ser emitidos tanto em app para celular quanto em papel, dependendo da preferência do turista. Eles conterão um código QR para verificar sua autenticidade e levantar todos os dados da pessoa, como nome e fabricante da vacina, número de doses e data de vacinação. O documento da UE também será baseado em código fonte aberto para que outros países e empresas desenvolvam softwares que ajudem na digitalização e verificação dos códigos QR.

A proposta europeia não é a única, porém. Veja os demais aplicativos com o mesmo conceito de escanear um QR code para mostrar o status médico do viajante:

– CommonPass: Ideia da ONG multinacional Commons Project com o Fórum Econômico Mundial e a Fundação Rockfeller;

– IATA: a Associação Internacional de Transporte Aéreo criou um passe digital para viagens que foi adotado por 20 companhias aéreas e é válido em Singapura, um dos primeiros países a propor esse assunto;

– Excelsior Pass: Iniciativa da prefeitura de Nova York criado pela IBM. O QR code emitido por ele também pode ser apresentado em versão impressa.

 

As demais inovações

O certificado de vacinação não é o único recurso para tornar o turismo e o livre trânsito de pessoas seguros de novo. Desde o ano passado as empresas e órgãos públicos testaram outras tecnologias e práticas. A mais discutida delas foi o contact tracing, um rastreamento de contato que alertaria pessoas quando elas passaram por pessoas que testaram positivo para COVID.

A iniciativa mais forte nesse sentido veio de uma união entre o Google e a Apple, que criaram o Sistema de Notificações de Exposição. Ele é uma ferramenta que poderia ser instalada em apps do governo. Usa o Bluetooth do celular para detectar quando uma pessoa que se infectou com o vírus — informação esta obtida nos bancos de dados do sistema de saúde pública — se aproximou de você. Isso emite um alerta, em forma de notificação de celular, para a outra pessoa que correu o potencial risco.

O Ministério da Saúde chegou a adotar isso no app Coronavirus-SUS, mas a pouca divulgação do governo sobre as vantagens da ferramenta levaram a uma adesão tímida do público brasileiro; o app só reteve 2,3 milhões de usuários ativos até fevereiro deste ano. Com isso, sua eficácia foi mínima. Em paralelo, houve críticas à possibilidade da ferramenta virar um meio de vigilância da população, mesmo com privacidade e anonimato assegurados na teoria.

E o problema não rolou só aqui: nos EUA também falhou por motivos parecidos. Na Irlanda, houve algum sucesso, com mais de um terço da população adulta usando o aplicativo. Ainda tenta-se lá fora. Nestas Olimpíadas de Tóquio, os estrangeiros precisam usar dois apps: o Ocha, com check-in e relatório de saúde do turista, e o Cocoa, de confirmação de contatos).

 

Outras invenções do último ano e meio foram:

– Um tapete de projeção da Azul com a startup Pacer para delimitar as áreas de cada passageiro na fila de embarque, delimitando uma distância mais segura para prevenir contágio;

– Muitos termômetros digitais, daqueles em que você aponta para a testa da pessoa — embora muita gente usa até hoje de forma errada, apontando para o pulso — para saber se ela está com febre, um dos sintomas mais agudos da COVID. Alguns totens têm termômetros para a própria pessoa medir, aproximando-se;

– Sistemas de câmeras térmicas, também para detectar temperatura corporal de muitas pessoas ao mesmo tempo e detectar indivíduos febris. Foi adotado no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo;

– Sensores de aproximação, tanto para detectar possível aglomeração e levar a uma atuação para contê-la quanto para ativar dispensers de álcool gel e outros recursos para o viajante, evitando contágio por toque em objetos. Guarulhos também adotou em seus banheiros;

– QR code para acessar informações diversas, de painéis de voos nos aeroportos a informações de hotel e menus em restaurantes;

 

Tudo isso vai dar certo?

O passaporte de COVID ainda é uma grande incógnita, mesmo que alguns locais já o adotem. Para Christian Perrone, coordenador de direito e tecnologia do ITS-Rio, ainda persiste uma “geopolítica das vacinas” em diversos países; a Coronavac, por exemplo, não é aceita até hoje na União Europeia, apesar de estar nos estágios finais de aprovação. Fora os países que sequer começaram a vacinar ou ainda estão bem atrasados em relação aos países desenvolvidos.

Para além desse primeiro bloqueio, é preciso resolver o formato definitivo do documento, o que também passa por questões diplomáticas. “Hoje em dia temos a padronização de um passaporte ou de um visto. Mas não sabemos como esse certificado será emitido. Se será universal ou europeu, por países ou grupos de países”, afirma Perrone. Por isso, ele teme que haja exclusão ou discriminação social a turistas ainda não vacinados ou que tomaram vacinas “não unânimes”.

Especificamente sobre as questões técnicas, diz ele, também há dúvidas:

– Se for um documento digital ou aplicativo, nem todos os turistas terão acesso a celulares, ou mesmo aparelhos com espaço livre na memória ou os requisitos mínimos desejados para acessá-lo, sobretudo em países mais pobres;

– Se para acessá-lo a qualquer momento for preciso uma internet móvel e/ou residencial, nem todos terão essa facilidade. Cerca de 58% da população brasileira acessa a internet apenas pelo celular, e ao sair do país, conectá-lo à web fica mais difícil;

– Um passaporte de COVID do tipo poderia levar à exclusão digital: afinal, nem todo mundo tem traquejo para lidar com novas plataformas;

– Quem cuidaria da proteção de dados pessoais dos turistas, ou qual seriam os sistemas adotados para evitar vazamentos?

– Assim como no caso do contact tracing, também teme-se que o documento seja um meio de vigilância ou que internamente o governo trace nossos perfis de saúde sem assegurar os devidos níveis de privacidade;

– Por fim, esse sistema pode ser unificado mundialmente ou fragmentado. Cada uma das escolhas terá prós e contras; o primeiro poderá gerar mais facilidades, mas a excessiva centralização de dados seria uma questão delicada; quais países cuidariam desses dados, e como? Já o fragmentado pode criar mais conflitos fronteiriços.

“Tudo isso vai depender de um sistema bem estruturado para não trazer mais problemas do que benefícios para a população”, defende Perrone. “É lógico que padronizar qualquer elemento tecnológico no mundo leva tempo. Há mais de 150 anos a gente não conseguiu ainda padronizar a metrificação. Algo assim precisa de acordos internacionais e uma teia a ser desenvolvida. E sobretudo discutir se a solução adotada é segura, responsável, e de acordo com a maior parte dos direitos humanos, e nao deixar só que uma elite do mundo, branca cis etc, possa viajar”, defende.

Para Edmilson Romão, vice-presidente financeiro da Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens), a pandemia acelerou a digitalização de documentos mas isso era uma tendência há muitos anos. “Quanto ao passaporte digital ser usado em todos os países, acho difícil. Mas alguma tecnologia deve ser adotada. A tendência é que todos os países passem por alguma digitalização não só da vacina, mas do próprio passaporte”, conta, lembrando que os passaportes brasileiros já têm chips com dados pessoais desde 2011.

Enquanto isso, as empresas esperam a definição do certificado, ao mesmo tempo que consolidam outras práticas de segurança já reconhecidas, como o uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento social. “Percebemos que 77% dos nossos clientes consideram a segurança como o item mais importante na hora de decidir pela escolha de um hotel. Por isso, a necessidade de segurança é uma de nossas prioridades”, diz Antonietta Varlese, vice-presidente de relações institucionais da Accor na América do Sul.

A retomada do turismo está acontecendo primeiro de forma doméstica. A Abav apurou, com 2,2 mil agências de viagens, um aumento gradual na procura por pacotes desde março. Em maio, houve crescimento de 28% nas buscas em comparação a abril. Viagens para os meses de setembro a novembro deste estão sendo bastante requisitadas, e a expectativa é fechar 2021 com cerca de 70% do faturamento de 2019. O Nordeste é a região mais demandada nos destinos.

Alexandre Moshe, diretor-geral da Decolar, confirma esse novo potencial das viagens interestaduais. Também aponta que a companhia flexibilizou as condições para mudanças de planos. “Estamos trabalhando com tarifas flexíveis caso o cliente precise fazer alguma alteração na viagem. Além disso, disponibilizamos informações detalhadas sobre as medidas sanitárias adotadas por nossos parceiros e também as restrições de entrada em cada país”, diz.

Leonardo Spancer, coeditor do blog Viajo Logo Existo, acha que o principal foco das empresas de turismo continuará sendo as medidas preventivas por um bom tempo. “Para isso não necessariamente se usa tecnologia, mas padrões de recursos humanos e treinamento, para que seja percebida a importância desses protocolos. Mas eu não não vejo hoje muita escapatória a não ser o aumento acelerado das vacinas para que a gente consiga ter uma diminuição do contágio e essas indústrias consigam achar uma forma sustentável de sobreviver”, argumenta.

Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da reportagem até a sua publicação.

Fonte: Canaltech

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