Um roteiro gastronômico pela Liberdade por Thiago Sakamoto, um chef emergente, em São Paulo
Gilberto Scofield Jr.
Tenho de confessar que em todas as visitas que fiz à Liberdade, em São Paulo, saía do lugar um tanto decepcionado. Primeiro, porque o bairro sofreu por anos de certa decadência e abandono, só revertidos em parte com a guaribada que a prefeitura deu nas principais ruas em 2008, época das comemorações pelos 100 anos da imigração nipônica ao Brasil. Além disso, a quantidade de lugares que vendem comida e bebida, bem como os restaurantes orientais, é tanta (e com diferentes níveis) que qualquer um sem intimidade com o bairro (ou com seus moradores) tem dificuldade de escolher os melhores locais para uma experiência gastronômica digna de Japão.
Ouvindo minha aflições em um jantar no japonês de ares nova-iorquinos Shaya, o então chef Thiago Sakamoto, o Saka, decidiu dar uma ajuda. Saka é uma das estrelas emergentes da cozinha japonesa em São Paulo, mas, apesar da ascendência, até trabalhar com o festejado chef Tsuyoshi Murakami, do Kinoshita, em 2008, não sabia preparar nem um sushi. Formado em 2006 na Escola de Gastronomia do Senac, passou pelas cozinhas do Galani, no Caesar Park, e do D.O.M., do chef Alex Atala, que o indicou para Murakami. No Kinoshita, destacou-se pela criatividade, talento que também rendeu um convite para chefiar, a partir de 2009, a cozinha do Shaya, de onde se afastou mês passado para um período sabático. Com um bom humor e uma disposição enormes, ele concordou em fazer um roteiro para o dia e outro para a noite pela Liberdade, para que os leitores do Boa Viagem não percam tempo na doce tarefa de escolher um bom restaurante ou comprar o melhor da culinária japonesa para um evento especial em casa.
De dia, comece pela feira da Praça da LIberdade
Não há como não conhecer a Liberdade sem dar um pulo na feirinha da Praça da Liberdade, realizada todos os fins de semana, reunindo uma quantidade impressionante de barracas que vendem de comidas típicas orientais a artesanato, mangás japoneses e camisetas coreanas – enfim, todo o tipo de bugigangas de Japão, China e Coreia do Sul. A estação do metrô Liberdade tem uma saída em plena praça, bem em frente a uma agência bancária num prédio de inspiração japonesa muito simpático.
Sábado o bairro fica menos cheio do que domingo. Estacionamentos para carros ao redor custam entre R$ 10 e R$ 15. O roteiro pode ser feito a pé sem maiores sacrifícios. E um lembrete precioso: muitas lojas e restaurantes não aceitam cartões de crédito ou cheque, mas apenas dinheiro ou cartões de débito.
O passeio diurno pode começar pela Rua dos Estudantes, uma das duas ruas que saem da Praça da Liberdade. A outra é a Galvão Bueno (que homenageia um advogado paulista e professor de filosofia do século XIX, e não o locutor da Rede Globo). O ponto de partida é a padaria Itiriki, no número 24. Apesar dos doces espetaculares e do pão chinês no vapor recheado com curry (R$ 4,30), os clássicos da casa são os sucos. Por nada deixe de provar o Pobá, espécie de leite de soja com sagu de tapioca (R$ 8,90) e um sucesso na China e no Japão, onde tem variações infinitas.
No número 19 da mesma rua fica o mercado Tenman-ya, paraíso para quem quer utensílios de cozinha asiáticos. O mercado vende peças de todos os tipos, especialmente cerâmicas e procelanas. Copos para saquê (chamados choko) custam R$ 8 e R$ 9, enquanto tigelas de arroz para donburi custam entre R$ 18 e R$ 25.
Numa transversal da Rua dos Estudantes, a Rua Glória, está a Livraria Fonomag, onde você pode procurar livros de culinária, muitos em versões em inglês, com o passo a passo da cozinha do Japão. Na Galvão Bueno, ali perto, há um templo para os que não são adeptos de dietas: a doceria Kanazawa, com os tradicionais wagashi e aquele que é considerado o melhor sakura-motchi (doce de arroz com flor de cerejeira) do Brasil (entre R$ 10 e R$ 14).
Ainda na Galvão Bueno, há três paradas obrigatórias. No número 34 fica o inacreditável mercado Marukai, uma loja de médio porte que recebe multidões todos os dias. O saco de seis quilos do arroz Koshihikari, a variação de arroz mais popular cultivada no Japão, perfeito para sushi, custa R$ 80. No fundão de uma galeria que parece abandonada, no número 364, se encontra a peixaria Mitsugi, com os peixes mais frescos da região. O quilo do atum custa R$ 70, e o do salmão, R$ 50. E no número 387, fica a Adega de Sakê, a mais completa casa do bairro, comandada pelo simpático Alexandre Tatsuya, um expert em bebidas alcoólicas japonesas que não se importa em ficar horas com os clientes explicando as sutilezas que fazem um saquê diferente do outro. Para quem quer uma degustação com petisco de altíssimo nível, as pedidas são as ovas de tainha (a R$ 350 o quilo) e o saquê superpremium Koshi no Hana, feito artesanalmente, por R$ 512. Mas há bebidas para todos os bolsos, de saquês a sochus, os destilados japoneses.
Fechando o roteiro, nada mais japonês do que um almoço nas melhores noodle houses do bairro (os restaurantes especializados em macarrão, principalmente lamen, muito comuns no Japão). Estes lugares abrem e fecham cedo, tanto para almoço quanto para jantar, e quem chega para almoçar depois das 14h certamente encontrará o restaurante fechando.
Na própria Galvão Bueno fica o Aska, há dez anos no bairro e considerado um dos melhores lamens e udons das redondezas. Há quem reclame do atendimento quando há fila na porta, com garçons pedindo a clientes que já terminaram que desocupem a mesa. Mas não é nada tão dramático. Na Rua Tomás Gonzaga, conhecida como uma rua gastronômica da Liberdade, duas dicas na mesma linha: o Lamen Kazu (o picante Kara Misso Lamen é o carro-chefe da casa) e o Porque Sim, que também tem um karaokê box para os mais desinibidos.
À noite, chegue cedo aos restaurantes
Assim como na culinária diurna, as investidas gastronômicas na Liberdade à noite também começam cedo, a menos que a ideia seja beliscar bobagens numa noitada de karaokê. Quem não tem paciência para aturar esta tortura oriental, no entanto, possui ótimas opções de bares e restaurantes no bairro, estabelecimentos comerciais que começam a atender logo depois do sol poente.
Os adeptos da boa conversa e dos ares de botequim têm nos bares de saquê, com comidinhas para acompanhar – os chamados izakayas – um dos pontos fortes da Liberdade. A maioria abre de terça-feira a domingo, das 18h às 23h30m. Os restaurantes não vão muito além disso, e o melhor é ligar antes, para conferir até que horas as cozinhas estão funcionando.
Na Rua Barão de Iguape fico o Izakaya Issa, cujo bar e cozinha, um matriarcado, é comandado pela simpática Margarida Haraguchi – uma especialista na recomendação dos petiscos que mais se harmonizam com este ou aquele saquê. O ambiente é aconchegante e tipicamente japonês. O cliente pode optar entre a clássica entrada de quatro pratinhos (com inhames aperitivos, cozidos de batata-doce, bolinhos de polvo ou cavalinhas no molho de saquê com shoyu, R$ 20 as quatro) ou o famoso oniguri de carne (bolinhos de arroz com carne temperada, a R$ 20). O saquês variam de preço conforme a qualidade, claro, mas a dose da bebida da casa é R$ 20. Um dos best-sellers do bar é o Yukidoke (neve derretida), que custa R$ 180 a garrafa.
Na Rua Galvão Bueno está o pequenino mas sensacional Bueno Dining Bar, que só aceita dinheiro em espécie – confesso que não entendo bem essa repulsa à tecnologia dos cartões partindo de descendentes de japoneses, cujo país é tão high-tech. O bar é de dois ex-sumotoris (lutadores de sumô), cujas fotos provando o seu passado esportivo estampam o bar, e fica cheio de japoneses e seus descendentes conversando em japonês pelo balcão. O Bueno Dining Bar vende petiscos – como de porco cozido no vapor ou berinjela com carne – mas também pratos deliciosos como o risoto com ovo, carne e pasta de soja apimentada (R$ 30). Vale experimentar a shotchurinha, uma variação da nossa caipirinha, só que com um destilado japonês, yakult e frutas.
Uma escadinha discreta no número 346 da Galvão Bueno leva ao restaurante Kabura, dos irmãos Satoshi e Hitoshi, especializado em comida tradicional japonesa, que fica aberto até 1h30m da madrugada, às sextas-feiras e aos sábados, e até 23h, durante a semana. O cliente não vai achar aqui aqueles rolinhos de cream cheese com morango que tanto fazem sucesso no Brasil, mas pratos tradicionais feitos como comida caseira japonesa, na linha do nabeyaki udon (macarrão com semolina) a R$ 28 ou o tempura de camarão e legumes a R$ 34, o pequeno ou R$ 42, o grande. As sugestões do dia incluem surpresas. É o caso da minilula da Patagônia (R$ 35), o marreco com tofu, cebolinha, cogumelo e nabo com pimenta (R$ 40) ou a inacreditável dobradinha japonesa, mais conhecida como Motsu Nikomi: um cozido de miúdos de porco e de boi (R$ 16).
SERVIÇO
Bakery Itiriki: Rua dos Estudantes 24. Tel. (11) 3277-4939.
Tenman-ya: Rua dos Estudantes 19. Tel. (11) 3209-9960.
Livraria Fonomag: Rua Glória 242. Tel. (11) 3104-3329. www.fonomag.com.br
Kanazawa Comercial: Doces japoneses. Rua Galvão Bueno 379. Tel. (11) 3207-1801.
Peixaria Mitsugui: Rua Galvão Bueno 364. Tel. (11) 3207-3953.
Mercado Marukai: Rua Galvão Bueno 34. Tel. (11) 3341-3350.
Adega de Sakê: Rua Galvão Bueno 387. Tel. (11) 3209-3332.
Restaurante Aska: Rua Galvão Bueno 466. Tel. (11) 3277-9682.
Lamen Kazu: Rua Tomás Gonzaga 51. Tel. (11) 3277-4286.
Porque Sim: Rua Tomás Gonzaga 75. Tel. (11) 3277-1557.
Izakaya Issa: Rua Barão de Iguape 89. Tels. (11) 3208-8819 e (11) 7677-4910.
Bueno Dining Bar: Rua Galvão Bueno 458. Tel. (11) 3203-2215.
Kabura: Rua Galvão Bueno 346. Tel. (11) 3277-2918.